21 de agosto de 2012

O Padrinho

A trilogia "The Godfather", de  Coppola, é uma das obras primas do cinema. Quando comecei a ler o livro estava com receio que, de alguma forma, o filme perdesse um pouco do seu brilho. Estava totalmente enganado uma vez que o filme é fiel ao livro, com uma precisão de detalhe incrível. Para isso contribuiu, sem dúvida, a participação de Puzo na elaboração com Coppola da adaptação do argumento.
Claro que no livro algumas personagens são mais desenvolvidas e assim aparecem pequenas side stories, não incluídas no filme, que dão ainda mais riqueza a todo o universo de Puzo.
Puzo é um excelente escritor, com um sentido de ritmo fantástico, que nos conduz pela história de uma família emigrante na América. Se mudarmos o nome Corleone para Rockefeller, ou outro qualquer, acabamos por verificar que este livro não conta a história de uma família mafiosa mas sim a história da América com o seus fluxos de imigrantes (Italianos, Irlandeses, Polacos, Russos, Hispânicos, etc) que fazem a grandeza da América (apesar de serem sempre perseguidos e humilhados).
Um excelente livro para se ler nas férias (li em dois dias apenas), mesmo que não se goste da temática dos gangsters, porque se fica a conhecer, mais um pouco, como foi construido esse grande país (NOT!!!), os Estados Unidos.

14 de agosto de 2012

The Shock Doctrine

Naomi Klein tem as suas origens numa família com pedigree activista: os pais mudaram-se para o Canadá em 67, por causa das suas convicções contra a guerra do Vietname. A mãe faz documentários e o pai é médico membro da Physicians for Social Responsibility, uma organização médica que se dedica a alertar e esclarecer o grande público acerca dos efeitos nocivos do nuclear e das toxinas no corpo humano. Já os avós paternos tinham-se oposto ao pacto Molotov-Ribbentrop e abandonado o comunismo em 1956. O avô paterno, durante a greve dos animadores da Disney, foi despedido e viu-se forçado a trabalhar na estiva.
Apesar de toda esta genealogia de esquerda (ou talvez por isso mesmo), Klein passou os seus anos de adolescente fechada em centros comerciais, obcecada com roupas de marca. Sentia-se mal por ter uma mãe tão publicamente feminista.
A sua consciência política foi despertada por dois eventos: a doença grave de sua mãe aos 17 e um massacre contra estudantes femininas na École Polytechnique, em Montreal.
Mas agora o livro. Klein começa por introduzir duas personagens: Milton Friedman , um economista, e Ewen Cameron, um médico psiquiatra.
O que é que têm em comum um economista e um psiquiatra?
Ewen Cameron é famoso pela sua participação no projeto da CIA, MK-ULTRA, no qual se estudava como alterar o comportamento do ser humano, usando recursos como as drogas (sobretudo LSD), privação sensorial, violações verbais e físicas e, sobretudo, tortura. Cameron achava que se devia "limpar" a mente de um paciente com problemas (às vezes tão simples como uma depressão pós-parto) para poder começar de novo. Como tal é impossível, Cameron aplicou os tratamentos com mais intensidade, com especial ênfase para os electrochoques, o seu favorito, em alguns pacientes com voltagens quarenta vezes superiores aos valores máximos recomendados por outros médicos da altura. Apesar de falhar com todos os seus pacientes, deixando-os a todos pior do que estavam antes dos tratamentos (alguns pacientes regrediram ao ponto de confundirem os médicos com os pais ou não serem capazes de fazer as suas necessidades fisiológicas), a C.I.A. utilizou os seus estudos para elaborar o seu programa de tortura psicológica de dois estágios (que consistia basicamente em primeiro desorientar o interrogado com privação de sono e/ou sensorial e também com humilhação de cariz sexual. Assim que o indivíduo está desorientado passa-se a submetê-lo a danos autoinfligidos, como por exemplo manter os braços elevados durante muito tempo, por forma a que o individuo transfira a culpa do seu sofrimento para si e fique mais receptivo ao interrogador uma vez que este pode acabar com as suas dores - muito mais bem explicado aqui), ainda há bem pouco tempo usado no Iraque. É interessante ver a ligação entre este livro e o Homens Que Matam Cabras só com o Olhar.
Milton Friedman foi um Nobel da Economia proeminente da Escola de Chicago que, nos anos cinquenta (por oposição aos Keynesianos que advogavam que o estado deve intervir na economia, escola predominante no Estados Unidos da Grande Depressão até 1973), diz que o Estado deve ter uma intervenção mínima na economia, privatizando sectores como a Educação, Saúde e grande parte do Exército. Resumindo, a única função do Estado deverá ser "(...) to protect our freedom both from enemies outside our gates and from our fellow-citizens: to preserve law and order, to enforce private contracts, to foster competitive markets" ("(...) proteger a nossa liberdade tanto dos inimigos externos como dos nossos concidadãos: preservar a lei e a ordem, garantir os contratos privados e fomentar mercados competitivos").
Estávamos no pico da Guerra Fria e esta teoria era o oposto do Comunismo vigente na altura, em que o Estado controlava tudo.
O pior é que os Poderes Económicos viram nesta teoria a maneira ideal de redireccionar os capitais que o Estado gasta na Saúde, Educação, Exército, Saneamento e vários serviços normalmente à disposição do cidadão, para os seus bolsos. Só existe um problema: o Povo. A aplicação prática desta teoria implica a perda de quase todos os direitos e regalias conquistadas, algumas à custa de sangue, pelos cidadãos.
Solução de Friedman? Os países e os povos tem que ser submetidos a um "shock treatment" ("tratamento de choque") social e económico para criar um "blank state" (alguma semelhança com os tratamentos do Ewen Cameron é pura coincidência... NOT!!!). O primeiro local em que foi experimentado este tratamento de choque? No cone sul-americano, claro está, com o apoio dos Estados Unidos às juntas militares ditatoriais, com início no Chile com o derrube de Salvador Allende por Pinochet. E quem eram os amigos económicos de Pinochet? Os Chicago Boys, claro, com Friedman à cabeça, que foi pessoalmente aconselhar Pinochet sobre como implementar as suas ideias de "mercado livre". O resultado foi uma ditadura militar que durou de 1973 a 1990.
A Escola de Chicago não ficou por aí. Brasil, Argentina, Bolívia, Estados Unidos (com Reagan), Reino Unido (com Thatcher), Polónia, Rússia, Iraque, Afeganistão, Malásia, China (o evento na Praça Tian'anmen aconteceu exactamente quando o Comité Central estava a aplicar as medidas de Friedman que, meses antes, tinha visitado a China), Nova Orleães e Sri Lanka.
Claro que, com o passar dos anos, os métodos de implementação foram-se alterando à medida que os direitos humanos iam revelando as atrocidades cometidas nos países sob o jugo dos ditadores. Alguns exemplos:
No caso do Iraque (um dos países árabes mais desenvolvidos, com maior grau de instrução) invadiram, destruíram e depois emprestaram dinheiro para a reconstrução com a condição de o Estado iraquiano alienar todo o seu património (leia-se petróleo), implementar um sistema de taxa de imposto única (15%) e abrir as portas ao investimento estrangeiro. No caso da Rússia correu um pouco mal para os investidores estrangeiros porque os oligarcas russos ficaram com tudo para eles (o mesmo se passou na China). No caso de Nova Orleães (uma das regiões mais pobres do Estados Unidos) foi preciso o furacão Katrina deixar os cidadãos em estado de choque para o governo americano poder acabar com o ensino público (conselho dado pelo próprio Friedman na última publicação em vida). No Sri Lanka, após o Tsunami que abalou a Ásia, o FMI exigiu, para emprestar dinheiro, que as praias fossem vendidas às grandes cadeias de hotéis de luxo, vedando o acesso às praias à população de pescadores desalojadas. Quando os pescadores saíram do choque do Tsunami, os seus locais de nascimento, as suas raízes, estavam vedados e com guardas armados.
Friedman disse que, no evento de uma crise, real ou percecionada, bastava as suas ideias estarem "perdidas pelo chão" para estas serem "apanhadas". O facto de o FMI e o Banco Mundial estarem cheios de ex-alunos seus ajuda a forçar as medidas quando os países estão mais fragilizados e o povo mais desatento devido a problemas mais graves e prementes.
Os casos de Portugal, Grécia, Espanha, Itália, não vos fazem lembrar nada? Primeiro as agências de rating (americanas e cheias de Friedmanites) dizem que os países não valem nada (crise verdadeira ou percecionada?) e depois o FMI empresta dinheiro sob condições draconianas que implicam a destruição de todo o património do estado e do estado social.
Resumindo, Klein diz que "(...) what we have been living for three decades is frontier capitalism, with the frontier constantly shifting location from crisis to crisis, moving on as soon as the law catches up (...)" ("(...) o que temos vivido nas últimas três décadas é um capitalismo de fronteira, com a fronteira a ser constantemente mudada de uma crise para outra, partindo assim que a Lei chega (...)") e que "(...) Under Chicago School economics, the state acts as the colonial frontier, which corporate conquistadors pillage with the same ruthless determination and energy as their predecessors showed when they hauled home the gold and silver of the Andes (...)" ("(...) Segundo a teoria económica da Escola de Chicago, o Estado age como a fronteira colonial, em que as Corporações Conquistadoras pilham com a mesma implacável determinação e energia que os seus predecessores mostraram quando rapinaram o ouro e a prata dos Andes (...)").
Por favor abram os olhos!!!

4 de agosto de 2012

Dia D

Que seca. Não me interpretem mal: até li bem depressa este calhamaço de seiscentas e cinco páginas e uns trocos. Mas o conteúdo, que maçudo... O Montgomery isto, Patton aquilo. As intrigazinhas de poder entre ingleses e americanos, exércitos e força aérea e os homens a morrerem no terreno. Quero lá saber que a "1ª Divisão Blindada polaca recebeu ordens para avançar sobre Chambois" ou que "a 90ª Divisão americana, (...) teve uma desagradável surpresa quando a divisão Das Reich e o que restava da 17ª Divisão Panzergrenadier SS atacou subitamente (...)".
Antony Beevor até faz um bom trabalho ao disfarçar uma série de dados fastidioso com histórias pessoais de soldados, algumas bem tocantes como "(...) ele gritou por um médico. Um homem do corpo médico avançou rapidamente para o ajudar e também foi alvejado. O socorrista ficou junto ao soldado e ambos ficaram a gritar até morrerem (...)" ou "(...) por outras palavras, nós éramos suficientemente bons para ficar dentro do cerco. As SS olham pelos seus (...)".
Tanto quanto eu posso afirmar o conteúdo é correcto (não sendo uma autoridade) mas eu prefiro um livro sobre o que se passou com os soldados no terreno a um livro histórico sobre os macro acontecimentos.

3 de agosto de 2012

Guevara - Antologia

A primeira vez que li este livro tinha uns dezassete anos e tenho que admitir que achei muito mais piada na altura.
O Comunismo não é resposta. Tem que haver outra solução de esquerda porque senão estamos lixados. Por exemplo, no texto "O exemplo cubano: caso excepcional ou vanguarda da luta contra o imperialismo", Guevara começa por elogiar Fidel Castro, pessoa que transformou a Revolução Cubana numa ditadura do proletariado. A seguir refere o desejo do campesinato de uma reforma agrária que lhe permitisse possuir um pouco de terra e destruísse os latifúndios... Bem agora já não há campesinato porque ninguém quer vergar a mola no campo. Ou ainda que "(...) nos parece improvável é que as forças armadas aceitem profundas reformas sociais (...)"... A nossa revolução provou o contrário.
O que mais me interessou foi o capítulo "A guerra de guerrilha", um manual prático, criado a partir das suas experiências, mas, infelizmente, é composto apenas por excertos.
Qualquer das formas tiro o chapéu aos autores da selecção e tradução (Adriano de Carvalho e João Bernardo) e ao editor (da Novo Rumo) por lançarem este livro em plena ditadura, no ano de mil, novecentos e sessenta e sete.
Guevara presidiu vários tribunais revolucionários e com isso manchou a sua imagem com várias penas de morte, talvez escusadas, em nome do povo e da revolução. Mas o seu coração era bem intencionado e por isso pagou com a vida.