4 de junho de 2013

De Profundis, Valsa Lenta

José Cardoso Pires é um nome maior das letras portuguesas e este pequeno livro é a prova disso mesmo. Cardoso Pires sofre um acidente vascular cerebral e tem aquilo que ele próprio chamou de "morte branca". Passado dois anos surge esta pérola com a descrição dessa mesma situação. Cardoso Pires ficou vivo mas não propriamente cá. As coisas passavam por ele como num sonho muito branco e brilhante. Objectos normais perderam o seu significado (foi apanhado várias vezes a pentear o cabelo com a escova dos dentes) e as pessoas queridas e próximas perderam-se na desmemória. As palavras saiam ininteligíveis, a escrita uns rabiscos. Tudo apontava, não para a morte, mas para o desaparecimento de uma grande mente.
O texto é fantástico, muito bem escrito (não se podia esperar menos) mas o mais importante é o facto de Cardoso Pires ter recuperado de uma condição que, normalmente, deixa uma pessoa vegetativa. Como diz outro Cardoso Pires, o médico, que faz o prefácio, o autor teve muita sorte, por um lado, e a zona afectada era mais "musculada" que no comum dos mortais, por outro. Também muito importante foi o facto de uma pessoa com o dom da palavra e da escrita conseguir recuperar o suficiente para este canto de cisne (foi o último trabalho de Cardoso Pires). Manuel Damásio, proeminente médico neuro-psiquiatra, referiu a importância desta pequena obra para o estudo dos mistérios do cérebro na medida em que Cardoso Pires não podia ser mais eloquente.
Lê-se de um fôlego e eu não podia deixar de recomendar.

A Dance With Dragons

Desculpem lá, mas estou farto! Martin tem tantas pontas soltas que não sabe para onde se virar. Não vejo o fim em mais dois volumes. As personagens estão cada vez mais embrulhadas no enredo sem um fim à vista. Algumas nem são faladas (por exemplo o que passa com Rickon? Nem uma linha num volume de novecentas páginas?). O texto continua a ser muito bem escrito, sem qualquer dúvida, mas a novidade (apesar de ter sido a primeira vez que li este volume) foi-se. Os únicos momentos em que fui realmente surpreendido foi quando Martin mata uma das personagens principais, quase mesmo no fim do livro, só para o leitor ter uma razão para comprar o próximo volume. Esta série está-me a fazer lembrar o Eragon, que começou de forma excelente e que a meio do terceiro volume (que devia ser o último) começa a engonhar, a engonhar, até que no fim aparece "continua no próximo volume". Talvez aqui no A Dance With Dragons seja ao contrário: no início é a engonhar, a engonhar e no fim tudo acontece de repente. Na altura em que estamos interessados, aparece "Epílogo".
Quanto à história, as coisas vão avançando com maus a ficarem bons, bons a ficarem maus e as personagens que mais gostamos a morrerem... Não foi assim que começou? Cinco volumes de novecentas páginas para a Daenerys voar o Drogon? Esqueçam lá isso e leiam a saga de Earthsea, da Ursula Le Guin, ou o Elric de Melniboné, do Michael Moorcock.

3 de junho de 2013

A Feast For Crows

Quando Martin começou a escrever este livro tinha ideia em acabar a série em cinco volumes mas a história alongou-se, fazendo com que o conteúdo de A Feast For Crows, seja acompanhado por A Dance With Dragons, cujas histórias correm em paralelo, com um conjunto de personagens diferentes para cada livro.
O livro sofre com a ambição desmedida de Martin. Com o número de personagens e eventos que se sucedem em catadupa, o texto começa a arrastar-se e a perder aquele ritmo alucinante dos primeiros volumes. Não que o texto seja mal elaborado, antes pelo contrário. Não é no ritmo da escrita que está o pecado mas sim no ritmo da história, que se arrasta penosamente.
Cersei tem finalmente o poder absoluto mas a arte da intriga é muito diferente da arte de governar e o seu poder escapa-lhe como areia das suas mãos. Para piorar as coisas, após alguns desentendimentos, envia o irmão Jaime para resolver os problemas nas Riverlands, último bastião de apoio a Robb Stark. Especial atenção neste livro têm Dorne e as Iron Islands, com as respectivas famílias líder a tentarem chegar a Daenerys, considerada por alguns a legítima herdeira do Iron Throne.
Enfim, para mim a série está a perder qualidades e não aguenta muito bem ser lida segunda vez (ao contrário do Tolkien, da Ursula Le Guin ou do Michael Moorcock), mas vamos lá ver como sai o próximo.